A matéria de capa da revista VEJA anunciou que havia uma nova medicação para perder peso que “parecia até milagre”. Este novo remédio seria “mais potente que sibutramina” e “quase sem efeitos colaterais”.
Muitos colegas endocrinologistas se revoltaram com o texto, considerando-o tendencioso e sensacionalista. A própria divulgação médica do Victoza (liraglutida) não havia sido tão audaciosa.
O Victoza é tão bom mesmo? Quem deve ou pode usá-lo? Para responder a estas perguntas, precisamos dar algumas voltas.
O desenvolvimento do Victoza foi precedido pelo reconhecimento décadas atrás da importância do intestino como órgão endócrino. Além de conter uma quantidade impressionante de células nervosas, o sistema digestivo também é capaz de, em contato com o alimento, produzir substâncias que atuam sobre inúmeros órgãos e sistemas. Destas observações surgiu o conceito do “efeito incretina”.
Qual o princípio do efeito incretina? A administração endovenosa de glicose provoca uma liberação de insulina 50% inferior àquela estimulada por uma ingestão de glicose que leve ao mesmo perfil de glicemia. Ou seja, o contato da glicose (e de outros nutrientes) com o intestino promove a liberação de hormônios (incretinas) que incrementam a produção de insulina, sendo responsáveis por metade do volume de sua secreção após a alimentação.
O que poderia representar uma enorme frustração transformou-se em esperança quando novas pesquisas deixaram claro que, quando expostos a concentrações elevadas (acima daquelas vistas em indivíduos normais) de GLP-1, os diabéticos voltavam a produzir maior quantidade de insulina, restaurando em grande parte a fisiologia normal do controle glicêmico. O mesmo resultado foi obtido com substâncias que, embora diferentes do GLP-1, fossem capazes de estimular seu receptor. Um exemplo destas substâncias é o exenatide, disponível no mercado há alguns anos, mas de aplicação limitada por necessidade de duas injeções por dia.
O Victoza nada mais é do que uma tentativa de copiar um hormônio natural do organismo, o GLP-1. A diferença de 3% entre os dois tem um motivo: o GLP-1 humano é degradado em poucos minutos, enquanto a liraglutida dura 24h, permitindo dose única diária.
O que há de especial no Victoza? Há razão de tanto estardalhaço?
Não há dúvidas de que o Victoza representa um enorme progresso no tratamento do diabetes. O medicamento melhora a função das células-beta, aumentando a produção de insulina apenas quando a glicemia está elevada.
Além disso, é capaz de inibir o apetite, retardar o esvaziamento do estômago, reduzir muito discretamente a pressão arterial e o nível de triglicérides após a refeição. O efeito sobre o esvaziamento do estômago é uma das explicações para a ocorrência de náuseas no início do tratamento. O Victoza reduz o colesterol total e o LDL (o mau colesterol); também reduz a PCR (proteína C reativa), um marcador de risco cardiovascular.
Em comparação com diferentes antidiabéticos (inclusive o exenatide), a liraglutida se mostrou mais potente em reduzir a glicemia, com incidência muito baixa de hipoglicemia. Sua semelhança com o GLP-1 natural faz com que menos de 10% dos pacientes desenvolvam anticorpos contra o medicamento. O exenatide, por sua vez, estimula a formação de anticorpos em mais de 40% dos pacientes, sendo que, quanto maior a concentração destes anticorpos, menor a eficácia do medicamento.

Não para por aí. A administração do Victoza após infarto melhora a função cardíaca (sim, há receptores de GLP-1 no miocárdio). Diante destes dados, pesquisadores canadenses testaram iniciar liraglutida (em doses muito maiores às recomendadas, diga-se de passagem) sete dias antes de induzir infarto em camundongos. Resultado: menor área infartada e maior sobrevida. O benefício foi inclusive superior às cobaias que receberam metformina e alcançaram igual controle glicêmico e peso. O Victoza estimulou a expressão de genes protetores para o coração. Há estudos em andamento avaliando o potencial benefício de liraglutida quando administrada agudamente na ocorrência do infarto.
A empolgação diminui quando o assunto é perda de peso. Embora maravilhoso para o diabetes, a potência da liraglutida como emagrecedor é moderada, na melhor das hipóteses. Quando administrada na dose de 3mg por dia (lembrando que o custo ultrapassa 300 reais/mês para a dose de 1,2mg!) durante um ano a indivíduos obesos, o Victoza levou a uma perda adicional de 5,8kg quando comparado à dieta mais atividade física. Nesta dose, houve redução de 15% da massa gorda após cinco meses; um quarto dos pacientes, entretanto, não alcançou a perda de 5% do peso. Quando usado na dose de 1,2mg durante 20 semanas, a perda de peso foi apenas 2kg maior do que à alcançada com dieta e exercício. A pressão arterial caiu 12 mmHg, um dado tranquilizador diante do trauma gerado pela sibutramina e seu potencial de risco cardiovascular para alguns pacientes.
Em relação à obesidade, o Victoza é um passo tímido diante do que está por vir. Encontram-se em fase de testes em roedores moléculas que são desenvolvidas como uma quimera entre diferentes hormônios. Há combinações do GLP-1 com glucagon, GIP, hormônios de tireóide e até hormônios femininos. Os resultados são impressionantes.
Há relatos de perda de peso média superior a 20% do peso corporal total em pouco tempo, com segurança, mediante uma combinação de menor apetite e maior metabolismo. Um dos líderes destas pesquisas foi premiado no último Congresso Americano de Diabetes, em San Diego.
Efeito do co-agonista GLP-1-glucagon em roedores: observem que a perda de 30% do peso corpóreo se dá em menos de um mês
